Nestor Mora
•• O decreto presidencial (9.875/19) promulgado no dia 07 de maio passou por retificações exigidas pelo crivo da Câmara de Deputados sob o argumento de haver “algumas inconstitucionalidades”, versão essa promulgada no dia 20 através do Diário Oficial, flexibilizando a posse e o porte de armas, além de aumentar o número de cartuchos permitidos para consumo de 50 para 5 mil anualmente. O decreto também autoriza o porte para outras pessoas civis, como advogados e jornalistas de reportagens policiais, além dos instrutores de tiros, colecionadores e caçadores. Por último, proíbe ainda o cidadão comum de ter porte de “armas portáteis”, como fuzis de alto calibre.
Entidades e órgãos jurídicos que atuam em sociedade no combate à violência consideram o decreto um ato institucional grave, tendo em vista a realidade do país onde ocorrem 50 mil homicídios dolosos (intencionados) por ano, dados que equivalem a 30% de todos os homicídios da América Latina e Caribe. A Anistia Internacional lembra que as medidas promulgadas pelo decreto passam por cima do estatuto do desarmamento (Lei 10.826/13) que proíbe o porte de armas por civis, com exceção dos casos onde haja necessidade comprovada. O estatuto desde então conseguiu evitar a morte de mais de 130 mil brasileiros ao longo de 15 anos.
Além dos órgãos jurídicos, 14 governadores de diferentes estados também pediram a revogação do decreto de armas, dentre eles o também governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB). Para o grupo, as medidas apresentadas pelo decreto não irão diminuir a violência estrutural de cada estado. “Ao contrário, tais medidas terão um impacto negativo na violência aumentando, por exemplo, a quantidade de armas e munições que poderão abastecer criminosos, além dos riscos de que discussões de brigas entre nossos cidadãos acabem em tragédias”. Os governadores também solicitaram que o governo federal desenvolva outras ações mais eficazes, como tornar mais eficiente o rastreamento de armas e munições, além de intensificar os meios de controle e fiscalização de modo a “coibir os desvios, enfrentar o tráfico ilícito e evitar que as armas que nascem na legalidade caiam na ilegalidade e sejam utilizadas no crime”. As propostas receberam apoio do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como parte de um plano nacional de segurança capaz de agir de forma integrada e permanente.
Por outro lado, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, defendeu na última quarta-feira (22) que o decreto presidencial é um “direito do cidadão de se defender, defender a sua família, defender a sua propriedade”, assim como ter uma televisão ou uma geladeira.
Entre opiniões contra e a favor, o fato é que dado cenário político também resultou na maior procura por armas em lojas autorizadas para venda em Linhares. O jornal “O PIONEIRO” conversou com o proprietário de uma das principais lojas da cidade que confirmou o crescimento de novos clientes “tanto para produtores rurais quanto para a população urbana. Muita gente não sabia que tinha o direito de ter uma arma dentro de casa, achava que era algo proibido. Com o novo governo o interesse ou procura para adquirir uma arma aumentou, contudo, a venda efetiva das armas não foi tão significativa”, afirmou Gabriel Taquetti.
O empresário esclarece que somente uma pequena parcela das pessoas que procuram por armas tem direito efetivo para comprar, visto que “é necessário passar por um processo, autorizado pela polícia federal, esclarecendo a efetiva necessidade para o porte de armas, por isso a maioria dos casos tem sido negado”. De acordo com o estatuto do desarmamento as pessoas civis podem adquirir certas armas de baixo calibre, desde que cumpram alguns requisitos como idade mínima de 25 anos, ocupação lícita em residência fixa, comprovar idoneidade de antecedentes criminais, apresentar capacidade técnica e aptidão psicológica, além de conseguir provar a efetiva necessidade do porte de armas.
Taquetti lembra que a falta de informação dos linharenses sobre as leis tem sido um grande problema: “Muita gente chega na loja para comprar uma arma sem saber que não tem direito, como uma vez veio um garoto de 15 anos. Daí a gente tem que explicar que há certas regras e que por último precisa da autorização da polícia federal”. Mesmo assim, o empresário reconhece que, desde o ano passado, as vendas de armas em sua loja vêm aumentando consideravelmente. Embora a maior parte dos clientes ainda seja de proprietários rurais houve um crescimento por pessoas que vivem na cidade, principalmente comerciantes, aposentados da reserva e até mesmo por mulheres. “Essas pessoas procuram as armas de baixo calibre como pistolas 380 modelo pt 58/pt59 porque são mais fáceis para guardar, manusear e transportar”.
Matéria publicada na página 07 da Edição do Jornal O PIONEIRO do dia 26 de maio de 2019