Proprietários dizem que escrituras de lotes vêm com menção da Justiça e isso cria dúvidas
•• Ao tentar escriturar o lote que comprou em 2015 no loteamento Terras Alphaville Linhares, o advogado linharense, Devarcino Augusto Peisino, 71 anos, teve uma surpresa. “Descobri que havia uma observação na matrícula do loteamento por causa de uma pendência judicial de um sócio envolvido com o empreendimento”. Por conta disso, o advogado adiou os planos de construir sua casa. “Só consigo iniciar a obra lá com a escritura em mãos, então abortei o processo porque o documento viria com aquela observação”, explica.
Devarcino diz que já aconteceram várias reuniões, mas nada foi, efetivamente, resolvido. A empresa, segundo ele, protocolou um processo na Justiça em busca de resolver o problema, já que a pendência é do sócio e não, diretamente, dela. No entanto, a menção nas escrituras persiste.
“Eu protocolei na justiça uma representação criminal por terem vendido o terreno com a observação sem nos dizer. Eles já sabiam disso desde 2014 e continuaram vendendo lotes”, afirma o advogado. “Já tenho 71 anos. Não tenho mais tempo. Comprei isso para poder viver lá. Isso ainda vai correr na Justiça. Pode ser que fique de herança para meus filhos”.
Mas há quem esteja encarando a situação com mais otimismo. O servidor do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Emmanuel de Vasconcelos Agapito, 35 anos, afirma ter sido o primeiro dono de terreno do loteamento a construir sua casa por lá. Ele garante não ter tido problema algum no processo, mesmo com a menção na escritura.
“O documento consta uma informação de dívida entre os sócios de uma área do terreno total da Alphaville. Essa informação de uma dívida não é um ônus real, não é um direito real sobre a propriedade. Isso quer dizer que isso não impede ninguém de dispor do seu imóvel, de vender o seu imóvel, de escriturar o seu imóvel e, posteriormente, registrá-lo num Cartório de Registro de Imóveis. Tanto que eu fiz todo esse procedimento sem nenhum problema. Escriturei e registrei meu lote, terminei de construir minha casa e já estou de mudança para lá”, diz Agapito.
No entanto, Emmanuel admite não saber se a menção atrapalharia algum processo de financiamento para construir no lote, já que ele construiu com recursos próprios. E essa é justamente uma das dúvidas de alguns proprietários. Um deles, que preferiu não se identificar, teme que os bancos não aceitem financiar as obras por conta da observação.
Agapito também faz questão de deixar claro que, mesmo tendo conseguido construir sem entraves em seu lote, não considera a menção jurídica nas escrituras como algo correto. “Não deveria constar absolutamente nada. A gente comprou lotes desimpedidos. Tanto é que a empresa está correndo atrás disso para que não conste”, diz.
O também advogado, Dayvid Cuzzuol Pereira, 36, que está construindo no loteamento, explica que a menção serve como um tipo de aviso. “Existe uma ação judicial promovida em Vila Velha entre sócios de um empreendimento que ocorreu naquela municipalidade. Com o ingresso da ação, o sócio que se sentiu lesado, solicitou ao juiz que oficiasse o cartório de Linhares a fim de que constasse nos contratos de compra e venda a ação judicial. Isso significa que aquele que promoveu a ação, está dizendo para todos: ‘Olha, tenho uma ação judicial e o imóvel, lá na frente, pode servir de pagamento’”, conta.
Mas, mesmo assim, ainda segundo Cuzzuol, é praticamente impossível ter problemas com a posse do lote no futuro. Ele explica em detalhes: “A partir do momento que você compra o lote, você vira condômino do empreendimento, ou seja, eu sou ‘dono’ do Alphaville em 1/tantos lotes que existam. Se existem 500 lotes, eu sou dono de 1/500 avos do empreendimento e não apenas do lote. Assim, digamos que perca o meu patrimônio depois de anos de discussão judicial, como deve agir o credor: Comprar todo o Alphaville, que hoje deve valer em torno de R$ 70 milhões, indenizar todos os proprietários que construíram e estão construindo, para aí sim, receber os R$ 7 milhões que estão em discussão. ”
“Na situação exposta é quase impossível se perder o patrimônio e, mesmo que o perca, tenho direito ao meu lote e a 1/500 avos do Alphaville. Vou exemplificar: Comprei o lote na época por R$ 110 mil. Com a construção, meu lote com a casa deve ficar avaliado em R$ 700 mil. Assim, tenho que ser indenizado em R$ 700 mil devidamente corrigidos e ainda 1/500 de R$ 63 milhões, o que deve ser em torno de R$ 130 mil. Isso fora as discussões relacionadas a direito de moradia etc.”, afirma Dayvid.
Segundo Emmanuel, ainda não há resposta da Justiça sobre o assunto. “Está sendo discutido em Vila Velha, mas, até então, não há uma decisão judicial definitiva. Enquanto isso, aqueles que ficam com receio de escriturar constando isso, ficam falando pra a imprensa ou com demais órgãos que existe algum tipo de pendência e não estão conseguindo escriturar. Isso não condiz com a realidade fática e nem jurídica”, afirma.
O outro lado
•• A reportagem de O PIONEIRO tenta contato com a assessoria de imprensa da Alphaville Urbanismo, responsável pelo Loteamento Terras Alphaville Linhares, desde o dia 20 de fevereiro, em busca de um posicionamento oficial atualizado da empresa sobre o assunto. Sem sucesso.
Em junho de 2016, a Alphaville respondeu oficialmente à TV Sim Linhares via vídeo. Na gravaçãoKátia Oliveira, diretora da Alphaville Urbanismo, busca tranquilizar os proprietários de áreas no loteamento. “Gostaríamos de deixar claro que não existe nenhum fato que impeça que os nossos clientes do Terras Alphaville Linhares escriturem seus lotes e construam suas casas. Você que já é cliente do Terras Alphaville Linhares ou que pretende ser, fique tranquilo e continue com seus planos. Você, que gostaria de ter mais esclarecimentos, ligue na nossa central de atendimento no 0800 15 1963, que estaremos à disposição para atendê-lo”. Kátia ainda cita os mais de 40 anos de história da empresa e os 110 empreendimentos que a organização administra pelo Brasil.
Ainda no vídeo, Camila Ferle, do departamento jurídico da Alphaville Urbanismo, também presta esclarecimentos, dizendo: “Gostaríamos de esclarecer que um dos sócios da empresa parceira da Alphaville, que é proprietária da área do empreendimento onde foi implantado o Terras Alphaville Linhares, também é sócio de uma outra empresa que foi responsável por um empreendimento em Vila Velha. Esse empreendimento, que fique claro, não tem nada a ver com a Alphaville Urbanismo. O que ocorreu, é que existe uma questão envolvendo as cotas dessa sociedade e o juiz determinou que houvesse a menção nas matrículas de todos os imóveis que este sócio participa, da existência desse processo judicial. Essa menção na matrícula, nada mais é que um informativo da existência de um processo judicial. Não se trata de nenhum gravame, nem penhora e não existe a hipótese de haver algum repasse de obrigação para os adquirentes de lotes. Quando o cliente escriturar o seu lote e houver o registro dessa escrituração na matrícula a informação desse processo judicial vai deixar de existir, já que não existe qualquer vínculo desse novo proprietário com aquele processo judicial. Tanto é que alguns clientes já escrituraram e possuem essa matrícula nova sem o processo judicial, isso fica muito claro. Resumindo, você que precisa escriturar o seu lote ou deseja construir a sua casa, não existe qualquer empecilho pra que isso seja feito imediatamente”, finaliza.
Matéria publicada na página 3 da edição do Jornal O PIONEIRO 12 de março de 2017